CASO JOÃO ALBERTO: COMO UM SEGURANÇA DEVE REAGIR AO LEVAR UM SOCO DE UM CLIENTE
O presidente do Sindesp-RJ, Frederico Crim Camara, falou à revista Época sobre como deve ser o procedimento de um agente de segurança em situações de conflito, como o que aconteceu em Porto Alegre, e acabou em assassinato do cliente, João Alberto.
Os dois seguranças presos pelo assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, na noite de quinta-feira (19), em Porto Alegre, descumpriram os protocolos de atuação e utilizaram força desproporcional, de acordo com especialistas consultados por Época.
A dupla espancou até a morte o homem após um deles ter recebido um soco da vítima.
Imagens das câmeras de segurança mostram os funcionários acompanhando João Alberto até a saída de uma unidade do supermercado Carrefour.
Quando eles passam pela porta que dá acesso ao estacionamento, João Alberto dá um murro no rosto de um dos seguranças. Em seguida, ele é alvo de uma sequência de ataques e socos.
“Por mais que ele (João Alberto) tenha agredido antes, havia mais de um segurança. O correto seria imobilizar o cliente e não trocar socos com ele. Isso só aumentou a violência e tornou a situação parecida com uma briga de rua”, afirmou o presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Rio de janeiro (Sindesp-RJ), Frederico Crim Câmara.
Para Câmara, trocar socos é contraproducente pois não cessa a ação violenta do cliente. Pelo contrário, faz com que a pessoa continue a revidar e provoca uma escalada da tensão. De acordo com ele, o ideal seria empregar técnicas de imobilização.
“Os profissionais de segurança privada recebem treinamento para isso, fazem um curso da Polícia Federal e passam por reciclagem obrigatória a cada dois anos. Então eles devem ter discernimento e controle para coibir a violência e sem perder a razão”, disse.
Câmara afirma que há diferentes técnicas para imobilizar o agressor e o segurança deve avaliar a melhor para a situação. Elas vão desde uma chave de braço até a montada, que significa derrubar o agressor, subir em cima dele e reduzir o espaço até neutralizar qualquer possibilidade de ataque.
Após aplicar socos e chutes, os seguranças optaram pelo estrangulamento como forma de imobilização. De acordo com Câmara, a escolha foi equivocada e teve um desfecho trágico. Essa técnica pode fazer a pessoa perder a respiração e até mesmo sofrer um ataque cardíaco.
TREINAMENTO
Antropólogo e ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), Paulo Storani aponta os equívocos na tentativa de conter o cliente e destaca a necessidade de treinamento continuado dos profissionais de empresas privadas de segurança.
“Ele (João Alberto) simplesmente para e surpreende o segurança com um soco. Então os seguranças tinham que imobilizar quem estava agredindo, tentar contê-lo. Técnicas para isso eles têm, mas colocar em prática é outra coisa. Tem que praticar sempre para saber reagir. Se ele só treinou essas técnicas no curso de formação, vai usar de forma indevida quando aparecer uma situação real. Vai usar força desproporcional e produzir um mal maior”, disse Storani.
O consultor pontua que o treinamento constante e bem realizado vai necessariamente proporcionar um elevado nível de desempenho. Caso contrário, o profissional de segurança acaba esquecendo os protocolos estudados em sala de aula.
Storani usa como exemplo o próprio Bope, que reproduz nos treinamentos simulações dos conflitos que vão encontrar nas ruas.
“Como se treina isso? Agredindo o segurança que está em treinamento. Com isso ele vai ter sua própria agressividade controlada, vai controlar sua resposta. Isso não se treina isso na lousa, você tem que ser submetido a essa situação. Mas a sociedade brasileira exige um nível de comportamento ao mesmo tempo que odeia o treinamento para aquilo. E crítica dizendo que o treinamento viola o direitos de quem está treinando”, criticou.
EQUIPAMENTOS
Storani também defende o uso de equipamento não letal. O consultor em segurança afirma que os funcionários do supermercado poderiam ter contido João Alberto com facilidade se estivessem com spray de pimenta ou uma taser (arma de eletrochoque). As duas opções evitariam o contato físico e permitiriam que o cliente fosse controlado.
O presidente do Sindesp-RJ explica que a utilização de armamento não letal já é regularizado no Brasil e pode ser utilizado por seguranças privados, desde que treinados para o uso desse tipo de equipamento. Os treinamentos ocorrem em cursos de extensão, feitos após a conclusão da formação básica em agente de segurança privada.
“O equipamento pode ser autorizado para uso se houver treinamento adequado do profissional. Neste caso, as aulas orientam o uso de um spray de pimenta, taser e até mesmo a fazer escolta pessoal ou trabalhar em carro forte. Em uma situação como a do supermercado, o spray de pimenta seria um fator muito importante, pois o jato deixa a pessoa momentaneamente cega e esse tempo é suficiente para a imobilização”, disse Câmara.
ESPANCAMENTO
O espancamento durou 5 minutos e 20 segundos. Neste período, João Alberto tentou resistir de pé às tentativas de imobilização até que foi pego pela perna e derrubado. Ainda de joelhos, João Alberto recebeu socos e uma joelhada de um segurança enquanto era segurado pelo outro funcionário.
João Alberto acabou rendido e foi mantido deitado no chão, com o joelho de um dos seguranças pressionando suas costas, quase na altura do pescoço. Uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) chegou a ser acionada para reanimá-lo mas ele morreu no local. Os dois seguranças envolvidos na ação foram presos em flagrante. Um deles é o policial militar Giovane Gaspar da Silva, de 24 anos, o outro é o segurança Magno Braz Borges, de 30 anos.